Após exorcizar todos os "diabos" que trouxe de quatro semanas de hospital, julgo que estou prestes a terminar estas chamadas "crónicas hospitalares". Mas há uma que falta, e fui guardando para o fim. A história curta do senhor Inácio (desta vez o nome é verdadeiro).
Quando entrei em Julho na unidade de cuidados intermédios, o senhor Inácio estava duas camas ao lado da minha, com problemas cardíacos, mas sobretudo com graves problemas de pneumologia. Não comia, respirava por um balão de oxigénio, que permanentemente retirava, o que lhe valia repreensões das enfermeiras, " senhor Inácio não tire o oxigénio, olhe que é para seu bem", "senhor Inácio, nós não queremos, mas vamos ter que lhe prender as mãos". Nesse dia em que entrei, de manhã, ao almoço a neta visitou-o, e ainda conseguiu dar-lhe um pouco de canja, e uns grãozitos de arroz.
No dia seguinte, estive parte da manhã com algumas arritmías, e a "conversa" com o senhor Inácio prosseguia no mesmo tom. Até que, por breves minutos, adormeci. Ao acordar, alguma agitação nas enfermeiras, o senhor Inácio tinha morrido.
Ali mesmo ao meu lado, sem um gemido, um grito, ou alguma forma de resistência. Com dignidade como se diz que a morte deve ser encarada. Nunca tinha estado tão perto da morte de alguém, mesmo de um idoso como ele, para quem a vida já pouco teria a dar. Veio uma padiola e levou-o, a esposa velhinha chorou baixinho, ali ao pé.
Descanse em paz senhor Inácio. Já mais ninguém lhe vai prender as mãos.
Dignidade humana...
ResponderEliminarPenso muito nisso.
Habituamo-nos a ver velhotes nos corredores dos hospitais, a definhar, a sofrer... e tenho dificuldade em me lembrar que foram um dia crianças, jovens com sonhos, que se sentiram com o mundo a seus pés, que levaram a vida da melhor forma que lhes foi possível... e o tempo foi passando, passando, ... tal como está a passar por nós próprios...
Parece-me que já nasceram assim... e que é agora é simplesmente natural que tenha chegado o fim...
Nada a fazer, ... nada a dizer... tudo acaba...
Tão perto e é contudo uma realidade distante, como se nunca nos fosse acontecer a nós, nem aos nossos queridos familiares.
Oh... se calhar nem devia ter dito isto, vou entristecê-lo sem necessidade
Caro Carlos,
ResponderEliminarQue boa medida de ler nas entrelinhas, tantos sentimentos conturbados que passaram a preencher os seus pensamentos.
Destasco deste post, três questões: morte, dignidade e profissionalismo.
1)A morte é a segunda certeza que se tem na vida, a seguir ao nascer. Mas estamos todos tão mal preparados. Discute-se a Educação Sexual na Escola, todos sabem como se faz um filho, mas ninguem a esta preparado para a morte, nem como aceitar a nossa e dos outros. Parece Tabu. Nem se gosta de falar em tal.
No entanto a morte é " uma doença hereditária e sexualmente transmitida".
Penso que deveriamos " fazer formação".
Morre bem, quem viveu melhor.
2) Dignidade. Algo que nem todos têm. Algo que muito poucos respeitam. E muito raro pensar-se em tal no fim de vida, quando deveria ser ainda mais estimada.
Mas quem a tem não a perde.
3)Profissionalismo.....Seria tema de palestra.
Bjs
PS: Não me parece que esteja para morrer, mas tenho a certeza ABSOLUTA, que tal como eu, vai morrer.
Sugiro que leia o livro "As terças com Morrie".
Vai gostar.
Um Abraço,
Ana
Cara Drª Ana, concordo com muito do que diz. Dúvida apenas na questão do profissionalismo, fala de lidar com a morte de forma "profiissional", ou de crer no profissionalismo dos que a procuram evitar? Também não estou tão pessimista que pense morrer a curto prazo, mas sei que tudo tem um tempo para ser feito, e receio estar a "descontar" desse tempo. Obrigado pelo comentário franco.
ResponderEliminar