Lembram-se do "Natal dos simples", de José Afonso, que começava "Vamos cantar as janeiras/vamos cantar as janeiras/por esses quintais a dentro vamos/ás raparigas solteiras", pois eu este ano vou ter um destes natais simples . Se não houver nenhuma "intercorrência", como diz na sua linguagem o meu médico, passarei o Natal e Ano Novo aqui neste hospital; única dúvida, será no 2º andar (onde me encontro), ou no 3º andar (cirurgia, onde queria ver-me rápido).
A minha relação com o Natal costuma ser agridoce. Para estar com uns não posso estar com outros, e este ano tal não se irá passar, o que é uma vantagem.
Outra ainda, como vejo pouca televisão e só ouço rádio sem publicidade, nem parece Natal. Aquele Natal que bombardeia todas as horas e minutos com as ofertas, as promoções, os telemóveis, as bonecas que arrotam e fazem cócó artificial sem cheiro, ou os exterminadores que matam de forma implacável, este ano para mim não existe.
Fica apenas a recordação do Menino Jesus e do sapatinho pequenino onde mal cabia uma prendinha. Agora o sapato é posto em cima de um monte que chega para cima do meio da parede e falta sempre aquela prenda que afinal valia mais que todas as outras juntas, e que ninguém se lembrou de dar.
Eis o Natal que vou ter este ano: um Natal dos simples.
E para não dizer que fui forreta que não me lembrei daqueles que vêm a este blog com regularidade, aqui deixo dedicado a todos um poema de Natal do autor que terminei agora de ler e já citei várias vezes, Fernando Pinto do Amaral. Reparem que palavras tão simples mas tão cheias de profundidade natalícia, e que a crentes e não crentes interrogam.
"Cai a noite está frio
e súbito perpassa
por nós um arrepio
a anunciar a graça
de sermos talvez mais
que simples humanos
decifrando sinais
que não passam de enganos
Cai a noite serena
sobre a nossa agonia
e repete-se a cena
que de novo inicia
uma história de amor
entre os homens e alguém
talvez muito maior
talvez homem também
Cai a noite e eu espreito
o que em silêncio brilha
no escuro do meu peito
no olhar da minha filha."
É uma visão muito intima e pessoal do Natal que nos remete para "uma história de amor/entre os homens e alguém/talvez muito maior/talvez homem também". Procurarei pensar nisto neste Natal hospitalar virado decerto para a introspecção e menos para as actividades festivas. Já agora Bom Natal a todos !!!!!
Caro Amigo Carlos,
ResponderEliminarGostava muito que mudasse para o 3º Andar.
Acho que era uma merecida prenda de Natal.
Eu tambem vou passar um " Natal dos simples".
De qualquer forma, que seja um Bom Natal.
Um abraço,
Ana