sábado, 18 de dezembro de 2010

Natal simples


Lembram-se do "Natal dos simples", de José Afonso, que começava "Vamos cantar as janeiras/vamos cantar as janeiras/por esses quintais a dentro vamos/ás raparigas solteiras", pois eu este ano vou ter um destes natais simples . Se não houver nenhuma "intercorrência", como diz na sua linguagem o meu médico, passarei o Natal e Ano Novo aqui neste hospital; única dúvida, será no 2º andar (onde me encontro), ou no 3º andar (cirurgia, onde queria ver-me rápido).

A minha relação com o Natal costuma ser agridoce. Para estar com uns não posso estar com outros, e este ano tal não se irá passar, o que é uma vantagem.

Outra ainda, como vejo pouca televisão e só ouço rádio sem publicidade, nem parece Natal. Aquele Natal que bombardeia todas as horas e minutos com as ofertas, as promoções, os telemóveis, as bonecas que arrotam e fazem cócó artificial sem cheiro, ou os exterminadores que matam de forma implacável, este ano para mim não existe.

Fica apenas a recordação do Menino Jesus e do sapatinho pequenino onde mal cabia uma prendinha. Agora o sapato é posto em cima de um monte que chega para cima do meio da parede e falta sempre aquela prenda que afinal valia mais que todas as outras juntas, e que ninguém se lembrou de dar.

Eis o Natal que vou ter este ano: um Natal dos simples.

E para não dizer que fui forreta que não me lembrei daqueles que vêm a este blog com regularidade, aqui deixo dedicado a todos um poema de Natal do autor que terminei agora de ler e já citei várias vezes, Fernando Pinto do Amaral. Reparem que palavras tão simples mas tão cheias de profundidade natalícia, e que a crentes e não crentes interrogam.


"Cai a noite está frio
e súbito perpassa
por nós um arrepio
a anunciar a graça


de sermos talvez mais
que simples humanos
decifrando sinais
que não passam de enganos


Cai a noite serena
sobre a nossa agonia
e repete-se a cena
que de novo inicia


uma história de amor
entre os homens e alguém
talvez muito maior
talvez homem também


Cai a noite e eu espreito
o que em silêncio brilha
no escuro do meu peito
no olhar da minha filha."


É uma visão muito intima e pessoal do Natal que nos remete para "uma história de amor/entre os homens e alguém/talvez muito maior/talvez homem também". Procurarei pensar nisto neste Natal hospitalar virado decerto para a introspecção e menos para as actividades festivas. Já agora Bom Natal a todos !!!!!

1 comentário:

  1. Caro Amigo Carlos,
    Gostava muito que mudasse para o 3º Andar.
    Acho que era uma merecida prenda de Natal.
    Eu tambem vou passar um " Natal dos simples".
    De qualquer forma, que seja um Bom Natal.
    Um abraço,
    Ana

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