"Leite Derramado" lê-se de um jacto, prende, interessa e está escrito com muita inteligência, elegância e humor. Quem esteja habituado às letras das canções de Chico Buarque, vai encontrar ali os seus traços. O que poderia ser um romence mórbido, saudosista e triste (pois trata-se de um monólogo de um homem num miserável leito de morte) é algo de fresco, arejado e de humor tão refinado que nos agarra do princípio ao fim, quase como um romance policial...
A história de Eulálio Montenegro d'Assumpção, nascido em 1907, e já centenário, mostra-nos de forma simples um pouco da história do Brasil, enquanto país de grandezas e misérias. Um homem que se vai tornando num pobre, pois outros se aproveitarão dele (será?), mas está sempre convencido que o seu nome e a sua linhagem lhe abrirão portas que há muito estão fechadas. Depois a memória desfiada deste moribundo faz o resto. Essa memória que sai por camadas, sendo que com frequência as camadas se misturam, por várias épocas históricas do Brasil, numa descrição simultâneamente delirante mas lógica. Atravessando todas as memórias a grata imagem da sua esposa Matilde, que o abandonou logo após o casamento com a filha Eulalinha ainda lactente. O destino de Matilde vai-nos sendo descoberto estre as certezas e as dúvidas do marido e esta acaba por ser também a segunda principal figura da obra.
Do melhor que tenho lido nos últimos anos e recomendo nesta altura em que há algm tempo para ler. Aos poucos vamos perdendo um grande cantor e escritor de canções mas vai-se ganhando um grande romancista da lusofonia.
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