Prossegue a minha senda pelo Inter Rail. Após atravessar "veloz" a Espanha chegamos a Irun pelas 8h00 da manhã. Havia dois colegas de viagem, para além dos emigrantes, com quem cheguei à fala, um americano loiro e despenteado, que ía de Portugal para Londres, e uma jovem, filha de emigrantes, que regressava a Paris para ir ter com os pais. Conversámos um pouco durante a noite, dormir é que não. O chão podia ser uma boa cama, a noite um bom tecto, o cheiro, intenso, uma mistura de suor, sebo, caldo de galinha, urinol, tabaco (nesta altura só era proibido fumar no fundo do mar...), acompanhava um sentido de enjoo.
Ao chegar a Irun, havia que abandonar o comboio que nos trazia de Lisboa, pois havia, e ainda há, a mudança de bitola que impede o prosseguimento para França. O pessoal, com as malas, cestos, garrafões, sacos, caixotes, galinhas presas pelas asas, projectava-se para a gare, com as mulheres, as avós, as crianças, os bébés a gritar, o sono em falta, o vinho em excesso, o tabaco a mais, os restos da comida, procuravam posição para entrar no novo comboio que chegava agora para nos levar a Paris. A composição da SNCF era bem mais apresentável, mesmo assim, do mais fraquinho que por lá havia, a concluir após ver o que viria a seguir.
As pessoas galgam as escadas de acesso e procuram lugares num comboio, limpo, espaçoso, embora velho. Dali até Paris ainda vão decorrer algumas horas de viagem, que decorrem de forma mais confortável. Para mim era tudo novo. Jamais tinha saído do país, e só sabia do que ouvia falar. Conhecia bem a situação do país, nomeadamente a política, e a colonial, pois nessa altura já estava na universidade, ambiente onde a consciência política já era elevada, ao contrário do que se passava no país "real".
A viagem era suavizada com recurso a alcool, jogatana e tabaco. Tudo muito animado, tudo sabendo o que era esperado à chegada, trabalho nas obras, ou nas "usinas". Para mim era turismo. De Paris ainda iria para Norte, até Lund na Suécia, onde me aguardava o meu amigo Vitor. Ía experimentar esses ares, onde se respirava de outra forma.
Por volta das 4 da tarde chegamos a Paris, gare de Austerlitz. Tinha estudado no mapa o que fazer ao chegar. Deveria ir para um albergue de juventude, que já tinha identificado, na Porte de Montreil, pelo que teria de tomar o metro, fazer as mudanças necessárias. Às costas a mochila que pesava um pouco. O americano veio comigo, pois nada tinha previsto, a "piquena" tinha os pais à espera e despediu-se de nós. Procurámos o metro e após longo percurso e duas ou três correspondências, saímos. Quando subimos as escadas para o exterior já era noite. Ao chegar à rua, embora tudo estudado, punha-se um problema. Ir para a direita, para a esquerda, para a frente ou para trás. Para que lado ficava o albergue ? Acabámos por tomar a decisão correcta e o albergue acabou por aparecer num excelente edifício. Tinha valido a pena ter tirado o que na altura se chamava o "cartão de alberguista internacional", que na altura se comprava no CITU. Ía finalmente conhecer países a sério, diferentes deste lego ridículo que era o Portugal marcelista.
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