Estou a recordar a minha viagem com Inter Rail de há 40 anos, a única por este meio. Lembro que na altura este bilhete era apenas válido para menores de 21 anos, idade que concluiria no último dia da viagem, pelo que teria de chegar a Lisboa nesse dia, a partir daí o bilhete seria inválido, embora os 30 dias apenas se concluissem 2 dias depois da minha data de aniversário, seis de Outubro.
Na altura o dinheiro era escasso (e hoje ???), e ao entrar no comboio já ía preparado com jantar, pequeno almoço, e um mata bicho, para a noite negra e fria, que de facto ocorreu. A Alemanha foi atravessada a temperaturas muito baixas, tive frio, ía só no compartimento, e os passageiros eram escassos, apenas pelas 7 ou 8 da manhã começaram a entrar passageiros destinados a Munique, como comboio regional, pois a composição era alemã e não dinamarquesa. Como um bom comboio nocturno as paragens eram frequentes, as estações desfilavam. Passava-se em Odense, Hamburgo e Nuremberg. Naturalmente tinhamos feito a mesma manobra com o comboio no ferry, mas nem saí. Já devia dormir.
Pela hora exacta entramos na gare de Munique ( ainda me lembro em grandes letras Munchen Hauptbanhoff ), uma gare impecável, limpa, lisa, com pouca gente e nenhuma confusão. A confusão era aquele linguarejar arrastado e sinuoso, de que nada se entendia, e mesmo a lingua escrita era imperceptivel, jamais se poderia dizer, "por umas tiram-se outras", pois nada se entendia. Sabia vagamente que me iria alojar num albergue ainda longe, necessário transporte, mas qual, felizmente tinha a indicação do número, mas ao sair da grande porta da "hauptbanhoff", passavam eléctricos em vários sentidos, que paravam em vários locais diferentes, o meu nem sabia por onde viria. Perguntar, ninguém entendia, inglês, se percebiam o que falávamos, faziam tudo para não entender, e dar respostas evasivas. Era a Grande Alemanha, senhora de si, da sua língua erudita, das suas declinações. Ali ou se falava alemão ou ía-se embora.
Utilizando o poder de derenrascanso do portuga, e a minha teoria, "se não sabe porque é que pergunta ?", lá descobri a paragem onde constava o número do eléctrico, só faltava saber o sentido a seguir. Ao chegar, o eléctrico era conduzido por uma matrona próxima dos 60 anos, fardada a rigor, mostrei um papelucho com a morada, ela acenou com a cabeça, vendeu-me o bilhete e arrancou. Não esquecer, que ao chegar a primeira coisa era trocar dinheiro, pois nada como agora, e na troca não apresentar escudos, mas algo mais "forte", com a perda associada. Na Suécia e Dinamarca lá faziam o favor de aceitar as coroas uns dos outros, mas na Alemanha só marcos, e davam maarcos a quem desse moeda forte, escudos era papel pintado.
Faltava agora saber a paragem. Assim, embora o sistema sonoro avisasse que íamos chegar à "benvallidaferrimenfacomunicastrasse", percebia mal os nomes das ruas que eram maiores que a própria rua. Assim por duas os três vezes levantei-me e mostrei o papel à senhora condutora, tendo-me sentado ali no assento mais próximo, até que ela me fez sinal, simpática até, e saí.
Pelas setas foi fácil descobrir a rua, e o albergue, apresentava-se imponente, um edifício do pós guerra, ali tudo o era, pois Munique foi destruída, clássico, eficaz, e em muito bom estado. Entrei, alojei-me, mas já não uma barateza, embora abordável para o pelintra que eu era... O quarto, verdadeiros quartos, com três camas, mas grandes espaços, apenas os banhos eram comuns, numa grande WC, mas com muita privacidade e limpeza. Tudo em bom...
Via-se algum movimento, e a população que ali estava não eram mais os mochileiros, mas homens e mulheres adultos, bem vestidos, que estavam ali como poderiam estar num hotel. e apenas a conhecida boa gestão alemã os fazia ficar num local onde se obtinha a mesma prestação por muito menos dinheiro, e não por serem pobres. Incrível como se borrifavam no "estatuto".
Saí de novo para comprar algo a comer e de novo tomei o eléctrico para a hauptbanhoff, que era o local que eu conhecia. Os transportes eram impecáveis, em Lisboa ainda não havia daqueles, que eram de certeza do pós guerra teriam menos de 30 anos, mas tudo conservado. No decurso do meu dia acabei por descobrir qual o motivo de algum movimento no albergue, incluindo alemães vestidos a rigor com os tradicionais fatos da Baviera, onde afinal estava. Pois ía começar no dia seguinte a muito tradicional Festa da Cerveja, que ainda hoje se realiza. Vinha em bom momento.
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