No imediato o meu destino não era Copenhague. Era uma pequena cidade universitária na Suécia, chamada Lund, onde tinha combinado com o Vitor, acolhimento durante dois ou três dias. Ele já lá estava há cerca de um ano, era por assim dizer alguém que se tinha "pirado" desta mixórdia, refractário era o nome que na altura era dado as estes "rapazolas", como dizia o regime, que saiam do país antes da incorporação militar, por contraste com os que se piravam após a incorporação, e que tinham o nome mais simpático de "desertores". Tinha combinado com ele, pois era meu vizinho há alguns anos. Hoje é ilustre professor na Universidade do Algarve. Estas combinações faziam-se por carta, com semanas de antecedência e pouco ou nada se podia alterar, pois não se podia puxar do telemóvel para avisar, alterar, combinar outra coisa, desmarcar, mudar a hora, o local, ou avisar que estava atrasado. Tinhamos de estar preparados com planos B para o caso de tudo falhar.
E lá fui, de mochila, da estação de Copenhague, após andar meia hora a pé, apanhava-se um barco, no caso um jetfoil, que atravessava o estreito que separava a Zelândia da costa sueca, o trajecto era entre Copenhague e Malmoe. O bilhete estava incluido no preço do Inter Rail. No trajecto para apanhar o barco deparei-me com uma das ruas onde, de uma ponta à outra se expunham as "sex shops", que via pela primeira vez. Em Portugal tal não existia, embora os "produtos" que lá se vendem também circulassem, mas à portuguesa, por trás, de mão em mão, como se não existissem, de forma dissimulada. Ali estava tudo á vista, entrava quem queria, as montras eram exuberantes, e o pacóvio ficava de olhos esbugalhados, ou fingia que não via, espreitando pelo canto do olho. Tudo parecia ter uma tal normalidade, que afrontava a nossa "cultura" portuguesinha. Afinal dentro de cada um de nós, mesmo os que se julgavam mais abertos, havia um fascistóide pequenino escondido, que a educação do regime nos tinha implantado à nascença. Adiante.
No cais o pequeno jetfoil esperava. Foi embarcar e partir. Eu que morava na outra banda, andava todos os dias nos benditos cacilheiros (não confundir com os catamarãs que hoje cruzam o Tejo), os quais eram atarracados, estreitos, cadeiras "suma a pau", e exalavam um cheiro pavoroso, entre o gasóleo, a maresia e o mijo, ali estava com a minha mochila, naquela nave, almofadada, a cheirar a ambientador de alfazema, e prestes a levantar voo, pois estes "barcos" não navegavam, voavam sobre as águas. Que experiência.
A viagem pouco passou de 15 minutos, dada a velocidade a que se deslocava. Atrás de si deixava uma nuvem de água, e eu deslizava pelas águas do Kattgat, assim se chamava o estreito, como numa pista. Hoje este trajecto faz-se por uma ponte, que na altura não existia.
Chegado a Malmoe, haveria ainda que apanhar um comboio local ou regional para Lund, que ficava a uma curta distância, cerca de 30 km, se bem recordo, coisa que rapidamente ficou resolvida. Coisa interessante que eu constatava, e muitos anos depois confirmei quando visitei a Noruega, as redes de transporte previlegiavam sempre a intermodalidade, ou seja, barcos, comboios, autocarros, tudo a partir de locais muito próximos, evitando deslocações e facilitando mesmo o uso dos transportes públicos.
E dessa forma desembarquei em Lund, numa estação ferroviária simples, do estilo das da linha de Cascais, que eu conhecia. Faltava agora encontrar o meu amigo. Para isso ía a pé, não precisava de bilhete.
Sem comentários:
Enviar um comentário