segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Mais uma provação


Lembram-se de um filme em que se fez um teste pondo alguém a comer fast food durante um mês (ou mais) para ver o que acontecia, pois a minha experiência aqui é parecida.


O local onde estou é uma enfermaria com três camas. A novidade aqui é que tem um pequeno LCD, na parede, para entreter os doentes. Alguém que esteve aqui muito tempo mandou pôr, e cá ficou. Estando na cama do meio, está mesmo na minha frente. Dado a minha pouca mobilidade actual, passo muito tempo aqui, na cama e num sofá onde me sento com as pernas em posição elevada.


Entretanto um dos companheiros apossa-se do comando, não o larga, e eis-me desde o meio da manhã até cerca cas 11 da noite, com a televisão em frente, e o canal preferido do nosso amigo sempre a debitar, a TVI... Então é um bombardeamento de lixo. programas da desgraçadinha, noticias fantásticas, todas as novelas, e o melhor que consegui foi que o som se baixasse, e que se desligasse após a ceia, que vem pelas 23 horas. Quer se esteja a ver ou não, tem de estar ligada, uma presença permanente, como se o acto de a desligar fosse "desperdiçar" algo. É a ditadura dos media, do som e do ruído, como se não pudessemos dispensá-lo.


Ao fim de um mês, como no filme, vamos ver qual o efeito, se engordo, se fico com pintas azuis, ou com icterícia. Para já certo, certo, fico com uma enorme dor de cabeça e uma sensação de ser violentado.


Eis como uma boa ideia, se torna num tormento.

Um domingo de aventuras

O domingo 13 de Fevereiro em que regressei ao hospital, foi cheio de aventura para que não me queixe de falta de sensações fortes. Vim de ambulância, chovia imenso, e na autoestrada sempre pensei que o condutor se excedia.

Vinha preso na maca, deitado, para maior conforto, e a viajem apesar disso corria bem. Já em Almada, parou de chover, e a ambulância, no primeiro terço do tabuleiro da Ponte 25 de Abril, talvez por ter pisado o piso de rede molhado, despistou-se e bateu em todos os rails e pilares, rodopiando sobre si própria num "bailado" arrepiante. O meu corpinho entretanto pagava.

Felizmente não bateu em qualquer carro, e acabou imobilizando-se no meio do tabuleiro. Ninguém sofreu nada, mas fiquei todo dorido durante alguns dias, em cima do já sentia, a ambulância já não saiu de lá, e apos chegada, por esta ordem, um reboque, que já estava à espreita, polícia que fez relatórios e notificou tudo e todos, lá veio outra ambulância de Almada que fez transbordo do "doente", e que acabou por me conduzir aqui a S Marta assim meio tonto.

Bolas, já nem um doente pode viajar em paz.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Ausência prolongada

Pois todos aqueles que procuraram saber alguma coisa de mim aqui no blog, devem ter ficado surpreendidos. Na realidade dia 13 de Fevereiro regressei a S. Marta, e cá estou de novo internado, devido ao problema que tenho nas pernas. Acabei por vir de ambulância, pois não suportava mais a situação, e tenho tromboflebite numa perna, e mais uma vez uma bactéria me atacou estando com antibióticos. Assim está visto que esta evolução é cada vez mais uma linha quebrada, que parte em várias direcções, incluindo, "para trás".

Entretanto a web não tem estado disponível por falta de meios. Assim nada feito, e cá fico isolado nesta camita de hospital. As coisas estão a melhorar, mas com uma lentidão desesperante, pelo que só me imagino em casa, e como dizia o outro, só não sei é quando...

A todos os que aqui me procuraram agradeço, e nem vos conto a necessidade que tenho de estar em contacto e saber que alguém procura saber de mim. Esta cama é tão desconfortável, e o isolamento no meio que me é hostil, e maior do que a solidão verdadeira sem ninguém por perto.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Falar de doenças adoeçe... porque não música ?

Alguém me falou dela já há algum tempo, descarreguei do iTunes, e é uma maravilha !!! a pianista de jazz Hiromi, ou Hiromi Uehara, o album "Place to be", onde o seu talento de pianista solo, a sua alegria de tocar, são verdadeiramente contagiantes. Para os deprimidos... um verdadeiro sopro de vida. Japonesa de gema, pouco mais de 30 anos, e um estilo que é uma "festa". Fica aqui um exemplo, e que se lixem as doenças. Bolas....

Tudo me acontece

Fiz ontem mais uma consulta de acompanhamento. Mais uma grande ida a Lisboa "que amanhece", pois pelas 8h temos de estar. Desta vez tudo mais complicado. O coração continua bem, ao que parece, e recomenda-se, agora o problema são as várias consequências indirectas e que causam mais preocupação, do que o acto médico principal do transplante.

Já tenho falado aqui várias vezes de um edema que me chateia no andar, e complica com a moblidade. Pois há alguns dias, a dimensão era tal que já não podía fazer força sobre um dos pés e colocá-lo no chão. Ontem, naturalmente o meu médico quis ver melhor essa situação, e mandou fazer um Eco Dopler, no fundo uma ecografia vascular às pernas. Veridicto, trombose nalgumas zonas das pernas.

Queria que eu ficasse de novo internado, mas depois de uma "séria" negociação, muitas análises feitas, e compromisso juramentado de medicação, íncluindo duas injecções diárias que eu darei a mim próprio, lá me deixou sair, sob condição, de voltar na próxima terça e não quinta feira como habitual.

Foi um dia dos mais difíceis, desde que saí do hospital, passei horas e horas esperando, sem pôr os pés no chão, para o mais simples.

Que mais irá acontecer, mas já comecei a dar cumprimento ao acordo... e afinal dar uma picadelas na barriguita nem custa assim muito !!!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Segunda revisão

Já amanhã mesmo segundo regresso a S. Marta. Agora todas as semanas a rotina das quintas feiras. Levantar pelas quatro e meia, cinco e meia pernas ao caminho, para pelas oito da manhã estar com a agulha espetada no braço, a dar o corpo ao manifesto. O que tem de ser tem muita força. O coração parece estar bem, não há qualquer sintomatologia de que tal não seja assim, e apenas alguns efeitos colaterais, me têm incomodado.
A recuperação é lenta, por vezes penosa, mas como era a situação anterior? Era vegetar, com um coração que só fazia asneiras, por vezes fazia lembrar a estrofe "coração independente pára deixa de bater".
Por enquanto ainda não saí verdadeiramente de casa, que não fossem estas situações, mas o frio do Alentejo apertava até à uns dias atrás. Agora está mais ameno, veremos se ganho coragem, pois tenho mesmo de andar, e fazia mais corredores no hospital, andava mais equilibrado e maiores distâncias do que em casa.
Tempo há-de vir.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Uma exposição


Hoje optei por falar de outra pessoa. A nossa amiga Clara Andrade, Bibliotecária de Lagoa (Algarve), discretíssima nos seus talentos, desde a escrita, poesia e pintura, pois tem neste momento uma exposição em Reguengos de Monsaraz, com direito a passagem de rodapé num dos noticiários da televisão (penso que terá sido na RTP, no "Portugal em directo").


Para quem, apenas há menos de um ano realizou uma primeira exposição em Silves, e penso que outra em Faro, e pinta e escreve seguramente há mais de uma década é toda uma forma de estar, para quem os bicos dos pés, não são ferramenta de trabalho.


São estas pessoas que não vivem da projecção, do marketing pessoal e da exuberância, que mostram que este país não é só feito de gente que promete o que não fez e se calhar nem pensa fazer. Tem um site na internet, que seguramente após muita insistência um familiar "ajudou" a fazer. E está a pintar cada vez melhor, e a escrever de forma muito inspirada. Vejam e leiam, não podemos ignorar...


O site pode ser visto aqui, ou entrem nos sites que visito, em Clara Andrade.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Ler o jornal ?

Uma das "intercorrências" de toda esta "trapalhada", é afectar-me a visão, embora de forma intermitente, não sei se da medicação se dos diabetes. Daí dificil ler livros com letras pequenas, algumas legendas da televisão, aí prefiro os canais notíciosos, pois as teleséries e o telelixo não me interessa. Jornais então, dada a dimensão dos caracteres é o mais dificil.

Hoje, desde há muitos meses a esta parte, consergui. com calma, ler um jornal de "cabo a rabo". Naquilo que interessava. A limitação a leitura, sem constrangimentos devem os meus amigos perceber que é para mim uma tortura, mas julgo ser algo de passageiro e que não ficará como sequela definitiva.

A propósito, comecei a ler o livro "As bicicletas em Setembro", de Baptista Bastos, com calma para que a vista não canse, e a mente não perturbe. Este livro foi o "welcome home" da Maria Augusta.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Transformações

A vida muda em grande parte. Claro que não se é outra pessoa, mas a contemplação de um espelho, a imagem reflectida de um peito em cicatriz, o toque dos nossos pés com o chão, as pernas e pés duros e insuflados por líquidos cuja drenagem se faz mal, a dependência dos medicamentos, as rotinas dos diabetes (donde terão vindo?), o dormir quando se pode e não quando se quer, a dependência de outros, as paredes agarradas a ajudar no equilíbrio, julgo que é o que esperarei para os próximos meses. Seremos outra pessoa ? De certa maneira sim, pelo menos provisóriamente...

No entanto devo entender como um preço a pagar... alguém deu a vida, sem o saber, para salvar a minha insuficiência cardíaca terminal, e eu quero isso tudo, sem um ai, um obrigado. Talvez seja este o preço, e esta a provação para saber se o mereço.

Bom domingo! No Alentejo está um dia AZUUUUUUL embora a temperatura não passe os doze, treze graus.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Maria Schneider (1952-2011)


Aqueles que têm a minha idade, recordarão um filme, realizado em 1972, e apenas estreado em Portugal em 30 de Abril de 1974. Cinco dias depois do 25 de Abril. As filas à porta dos cinemas eram intermináveis. O par que o protoganizava, Marlon Brando e Maria Schneider. Razão das filas, pela primeira vez via-se um filme "erótico" (???) com envolvimento de uma jovem com um homem maduro em crise, e o nu integral era bem visível. "O ultimo tango em Paris", do italiano Bernardo Bertolucci foi talvez o primeiro filme estreado em Portugal, com ausência de censura prévia


Soube apenas hoje da morte, na passada 5ª feira da bela Maria Schneider, em Paris, onde também nasceu, e cidade fetiche desse filme, belo pela paixão, o desejo, e a cidade como protagonista sempre presente.


Parte do povão saiu desiludido, afinal era só aquilo? Mais tarde outras coisas viriam para "educar" o povão para as emoções fortes.


Fica aqui uma lembrança para esta sedutora actriz, que julgo acabou por ter carreira irregular. Na altura gostei muito, e como esquecer a música deste filme, da autoria do argentino Gato Barbieri.

O homem e a multidão

Seria inevitável. Sem querer ser mais um "suposto" comentador, as imagens que temos recebido das manifestações na Tunísia, e mais grave no Egipto, têm impressionado o mundo, por aquilo que uma multidão é capaz de fazer, para se livrar dos "cleptoregimes" que os governam. E é muito pouco o que faz passar da paz dos cemitérios aos grandes confrontos. Porque tudo está latente, o "virus" da revolta está há anos instalado. Regimes que duram dezenas de anos, onde o total compadrio, diria mesmo roubo, está instalado, e aceites como "um mal menor", pelo Ocidente, como tampão contra o islamismo mais radical, estão agora a ser descartados. Mas temo bem o que pode vir depois.

Estes acontecimentos, fazem-me recordar, como a luta de um homem isolado contra adversidade e a morte, noutra dimensão, tem algo de desesperadamente comum. O homem e estas multidões lutam pela sua sobrevivência individual ou colectiva, no fundo, como se multiplicasse por milhões. Também o homem, atira pedras a si mesmo, batalha para si livrar dos seus "ditadores", que são os desânimos, os desesperos, e as ideias feitas, o desacreditar. E as armas, não sendo facas, pedras, ou fisgas, são queixas, são gritos de dor ou expressões de sofrimento.

Aqueles povos não querem aquilo que se passa, apenas o sofrimento tem limites, contra a opulência e o nepotismo sem limites.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Relatório de guerra


A primeira batalha foi mesmo ganha. Todos os perigos e riscos que na véspera despontavam no horizonte (quer dizer nesta cabeça atribulada...) afinal não passavam de "moinhos de ventos". Depois de algumas pequenas escaramuças, que começaram na viagem de madrugada e ataques de filas de trânsito no Fogueteiro, ultrapassados com perícia pelo bombeiro que nos trouxe, com manobras de duvidosa legalidade... e chegado ao local da batalha, fui logo atacado para recolha de sangue, nada que não se resolvesse, com duas ou três picadelas e alguns ais !!!


Depois passámos a outros meios mais pesados, mas menos penosos: raio x, electrocardiograma, ecocardiograma. Como viram que não cedia, a partir daí trataram-me como um príncipe. Instalaram-me em cadeira de suma-a-pau no refeitório, e lá passei a manhã toda, esperando o desfile das diversas armas. Safei-me pois foram dando comidinha, o que em teatro de operações não é normal. As "consultas" iam sendo dadas por ali mesmo, incluindo a dos diabetes, minha nova "coqueluxe", isto porque a sala para o efeito não estava "available"...


No final da manhã a guerra terminou com uma refeição, no mesmo local, cheio de outros pacientes, e eu, que ainda não aprendi como se come com uma máscara, que tapa o nariz e a boca ao mesmo tempo, lá tive de a retirar, coisa que me tinha sido dito que em hospital "jamais", e comer a minha comidinha, no meio das bactérias, sem máscara, não me consta que elas a tivessem posto... se calhar era aí que queriam que me fosse abaixo.

Se era isso que queriam, devo dizer que tudo afinal parece bem, o coração funciona como relógio suiço, as análises estavam impecáveis, e os restantes exames não indicavam qualquer sinal inesperado. Não há sinal de qualquer rejeição, infecção, contaminação ou outra situação indesejável, o "meu médico", ficou muito contente com a situação. Afinal a primeira batalha correu bem para todos, sobretudo para mim, e quinta feira próxima repete a dose.

Como compensação ofereceram cinco garrafas de água para o caminho, para o transplantado, e os outros utentes a beberem baldes da torneira...

Os piores fantasmas, afinal verdadeiros "moinhos de vento", desta cabeça de "charroco", ficaram desde já pelo caminho. Uff...

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Primeira revisão

Parece tudo muito rápido, mas amanhã faz já uma semana que estou em casa, e é altura de fazer uma primeira consulta. Está a pôr os meus "nervos" em picadinho, pois sendo a primeira, chego até a pensar que possa ter de ficar por lá de novo... Ter de sair de casa de madrugada, pois tenho guia de marcha para me apresentar às oito horas, e logo para colheita de sangue, que da forma que estão os meus braços, é como retirar sangue da casca de um sobreiro.

Vai correr bem...

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Um corte de cabelo

Verdade que durante meses não foi possível ver a minha imagem ao espelho, pela simples razão de não haver como espelhos nos locais por onde andei. Imagine-se o choque que foi chegar a casa e dar de caras com uma imagem estranha, em que não me reconhecia...

É como olhar e ver alguém que não se conhece, não só devido à imensa magreza, menos cerca de vinte quilos em seis meses, mas também um rosto com um olhar escanzelado, e sobretudo uma farripas a que só a contragosto se chamaria de cabelo. E nesta fase não devemos menosprezar aquilo a que agora tanto se chama de "autoestima". Tanta coisa nos puxa para baixo, que algo deve fazer contravapor.

Decidi então comprar uma máquina de corte pessoal e ir ao local próprio tratar do assunto. Não corro riscos inúteis, e fiquei com uma carecada, talvez pouco adequada ao frio que faz, mas ao espelho já não rejeito a imagem que via, e que se tornava quase inaceitável.

Claro que a imagem não é, de certeza, o mais importante, o mais importante é adquirir mobilidade, músculo, carcomido por demasiada cama, alimentação que se rejeita, e movimentos a menos.

Por isso procuro agora comer proteína, carne ou peixe, e precisaria muito de fisioterapia, que parece ir haver aqui no Centro de Saúde, já a partir de hoje, para dar continuidade a um programa de reabilitação cardíaca, entretanto já iniciado em S. Marta. Agora é nítida mais destreza nas actividades de rotina diária, prejudicada apenas pelo edema, que me ataca, sobretudo o pé direito, e que o torna em chumbo, dificultando movimentos. No final do dia, a situação apresenta mesmo sofrimento, sendo complicado ir para a cama sem apoio.

Já em tempos tinha pensado que estas intervenções não são linhas rectas, têm muitas curvas, penso mesmo que têm avanços e recuos, um dia parece que somos capazes, dois dias depois, há intercorrências, e as coisas são diferentes. Cá estou para o que der e vier.

Agora o corte de cabelo deixou-me bem mais aliviado !!! e bem melhor com o meu dia.

Ainda das minhas leituras do hospital em que tanto reflecti cito, porque é o que vai cá dentro dia após dia

"Não vos inquieteis tanto com o dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal" (Mt 6:34)