quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Memória pessoal e transmissível

Vi-o cantar apenas duas vezes. A primeira em 1971 no anfiteatro da Faculdade de Letras, a segunda no dia 4 de Fevereiro de 1972, na sala de alunos da Faculdade de Medicina de Lisboa. A sala estava cheia de gente, era um domingo, a sessão anunciada como uma festa, participou também o na altura padre Fanhais, o pessoal estava de pé, a sala era na cave do Hospital de Santa Maria, havia muitos de barba, incluindo eu próprio, na altura tinha quase 20 anos e usava o dito apêndice piloso, as cadeiras eram poucas e más, mas o chão era uma imensa plateia, havia um palco, com alguma gente com ar comprometido, uma rapariga de cor passava com frequência entre o pessoal, era, mais tarde soube, Sita Vales, fuzilada às mãos da tirania angolana, poucos anos depois. Lá mais para o tarde cantou duas ou três canções, com aquela força que nos tocava, apesar de algum "desprezo" que também nutria por essa estudantada radical, que se reunia para o ouvir, e que preferia os "Vampiros" à "Senhora do Almortão", pois estava isolada do povo segundo o que ele mesmo disse... O José Afonso estava a lançar LP's com alguma regularidade, onde a inspiração popular estava muito presente, e fazia disso bandeira. Cantou e desapareceu logo após, era o que sempre foi, um homem que não se enquadrava nos estereótipos, nem em esquemas organizativos pré-definidos, quanto ao dia 4 de Fevereiro não era acaso, era o dia em que se comemorava onze anos do inicio da luta de libertação em Angola, mas neste dia não houve "festa" como mais tarde haveria.

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