Um ano antes no caderno azul:
"Não sei mais nada, apenas sei que o meu novo coração veio do Hospital de S. Maria. A cirurgia iniciou-se pelas 21h30 e terminou à 1h30 de 27 de Dezembro. Acordei pelas sete da manhã no isolamento dos cuidados intensivos. Ventilado, o que me incomodava, e ligado por ume parafrenália de fios a duas máquinas enormes, que por detrás de mim monitorizavam tudo o que podiam. Estava algaliado, dois drenos retiravam restos de sangue a partir da minha barriga para um saco. Tinha um pace-macker exterior, dois cateteres internos, na virilha e no pescoço de onde saíam tubos que conduziam estranhos produtos químicos para as minhas entranhas. As máquinas emitiam ruídos, bips e alarmes esquisitos. Pouco a pouco foram-me libertando do ventilador, ficando a ocupar metade da boca. Não conseguia falar, a sede era muita. Pelas 10h um raio X. Vomitei quando do impulso para colocar a chapa do RX por baixo das minhas costas. Tinha também uma sonda naso-gástrica que depois foi retirada, e acabaram também por retirar o ventilador, grande alívio, e pela hora de almoço já respirava normalmente, falava e ingeria alimentos, embora líquidos. Permanecia deitado com dores no peito cada vez que me movimentava, pensos e agrafos na zona frontal, e assim passei o dia todo de costas, na cama, a olhar o tecto e observando a enfermeira, no compartimento de entrada do isolamento."
Este foi o primeiro dia do resto da minha vida. A luz aproxima-se e vê-se o fundo do túnel, pois vou sair dele.
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