sexta-feira, 7 de março de 2014

O meu 25 de Abril (11)

Há programas de televisão que ajudaram a ver a realidade de outra forma, estou a lembrar-me dos da National Geographic, mas não é esse que vou evocar, mas sim o Zip Zip, que mostrou Portugal no final dos anos 60 através de depoimentos, musicos e personalidades que até aí não tinham tido tempo de antena bem como alguns de outras musicas, como Caetano Veloso, Gilberto Gil ou George Fame. Via sempre todas as segundas feiras, o programa que era gravado ao sábado no Teatro Villarett, e após, ao que se sabe, dura negociação com a PIDE e a Comissão de Exame Prévio, ia para o ar, nas partes que eram aceites por aquelas "boas almas", na segunda, de forma a perturbar o menos possivel "a paz e a tranquilidade publica". Era assim que se fazia naqueles tempos. Nem se podia imaginar um programa destes em directo, não fosse algum agitador aproveitar o "ao vivo" para algum comentário mais vivo... e agitar a paz dos cemitérios. Esteve no ar entre 24 de Maio e 29 de Dezembro de 1969, e por ele passaram alguns dos músicos que formaram a geração dos "baladeiros", aliás ridicularizados num sketch de Raul Solnado, animador do programa ao lado de Carlos Cruz e Fialho Gouveia. O programa surgiu como que caído do céu. Estamos no inicio do marcelismo e a parede abriu umas brechas para dar ao regime uma válvula de escape para toda a tensão acumulada. Segundo Mário Castrim, em crónica de Maio 69,   

"Na vida há destas coisas, como diz o compadre que todos temos. O programa de João Villaret foi das poucas coisas vivas e populares que aconteceram na Televisão Portuguesa. Passaram-se muitos anos antes que surgisse qualquer coisa que pudesse dar-nos oportunidade de falar de vida e de popularidade. Parece que essa oportunidade existe agora - e a ela encontra-se ligado ainda o nome de "Villaret". Não há dúvida: "Zip" nasceu sob bom signo."

Hoje revi a entrevista de Almada Negreiros no primeiro Zip Zip, que ficou como ícone para sempre deste programa, e pude ver como a entrevista foi um jogo de palavras, pois nem os entrevistadores estavam preparados para a fazer, e as perguntas eram triviais ou mesmo absurdas, e o Mestre Almada devia estar longe de pensar que viria à televisão no final da sua vida, faleceu um ano depois, falando numa linguagem quase cifrada. Era o acontecia quando a liberdade não se respirava como o ar, ninguém estava preparado para ela. O Zip Zip ajudou a perceber que havia outro Portugal para além das loas dos oito séculos de história, do império do Minho a Timor, da emigração a salto, ou do congressos da oposição de quatro em quatro anos, quando era, e onde havia uns minutos de ar fresco. Foi um vendaval que deixou toda a gente com fome de liberdade, e mal surgiu a oportunidade  saciaram-se.

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