domingo, 23 de março de 2014

O meu 25 de Abril (27)

Recuperámos daquela noite intensa após duas horas de sono. com umas sandes e uns sumos levados de casa, não se podia comprar fora, e a manhã foi passada na Praia da Rainha, em Cascais onde se dormiu até à hora do almoço, o qual se fez na praia com o resto do que se levava no saco, O segundo dia começava pelas 16h e ía ser mais curto e menos marcante. As pessoas também eram menos,  muitos não tinham resistido à avalanche musical da noite anterior, estavam esgotados, outros já tinham tido a sua dose de jazz, se calhar para o resto da vida, nós mantinhamos de pé, para ouvir um segundo dia clássico, com o Phil Woods, e um grande quinteto onde se salientou o baterista Daniel Humair, francês, que após um solo de bateria deixou no chão uma poça de suor tal a intensidade da sua musica. O Festival fechou então com o grupo de estrelas, Giants of Jazz, onde se salientava Dizzie Gillespie, com as suas reconhecidas bochechas no trompete, Art Blakey, Thelonius Monk, Sonny Stitt, e outros. Era um jazz clássico, be bop, servido por grandes lendas, imaginemos Monk, talvez o maior pianista do jazz de sempre, ainda vivo, mas já em fim de carreira Art, um dos maiores bateristas de todos os tempos, Dizzie um trompetista alegre, exuberante e perfecionista, Sonny um saxofonista de todos os tempos na nossa frente, iniciados nas lides, a ouvir semelhantes executantes, que desperdício !!!  Claro que a nossa preparação não nos permitiu dar o devido valor a estes enormes instrumentistas, pois o nosso gosto musical ainda estava muito influenciado pelo rock, nem ao reportório de standards que nos apresentavam, onde não faltavam os maiores temas do jazz americano de todas as épocas. Uma verdadeira enciclopédia passada de forma ilustrada pelos nossos olhos e ouvidos. No final mais assobios para o Nuno Martins que insistia em ser o "locutor" de serviço e palmas para Villas Boas, o homem que afinal colocou as sementes do jazz no coração de muitos milhares de portugueses, umas floriram outras não. Claro podem perguntar o que tem o 25 de Abril a ver com isto tudo ? Quem pensa que o 25 de Abril foi apenas um golpe militar, claro que não sabe responder a esta pergunta. Na realidade jamais o jazz se deu bem com a ditadura, e quanto mais se ouvia jazz, o que passou a acontecer mais desde este fim de semana, mais se voava contra as regras da ditadura, as suas musicas arrumadinhas, o seu nacional cançonetismo. "Jazz é cultura" dizia-se, mas é também e sobretudo libertação. Nos anos seguintes continuaria o Festival, com grandes nomes e eu ainda assisti a várias edições, lembro Elvin Jones ou Jean Luc Ponty e David Brubeck em 1972, e manteve-se em Cascais até 1980. Mas jamais se esquecerá este fim de semana irrepetível e "irrevogável" das nossa vidas.

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