segunda-feira, 17 de março de 2014

O meu 25 de Abril (22)

Prosseguia o meu primeiro ano no IST, em 1971/72, após uma "praxe" de choque... o ano decorria com alguma normalidade, tirando algumas pontuais questões académicas, sem grandes consequências. No entanto nesta altura a solidariedade académica era uma realidade, e os problemas das outras faculdades acabavam por se estender também ao Técnico, embora nesta fase Económicas e Direito eram sempre as faculdades mais reinvidicativas. A informação era permanente e na Associação de Estudantes dispunha-se de acesso a tudo o que se passava no país e nomeadamente noticias da guerra colonial, coisa que naturalmente muito nos preocupava, agora que já ía fazer 20 anos, e que iria pedir o meu primeiro adiamento do serviço militar, para não ser incorporado nesse mesmo ano, o que dependia dos resultados académicos obtidos. Na Associação de tudo se tratava, comia-se, compravam-se as "sebentas" ou "as folhas", pelas quais se estudava, muitas eram apenas cópias de documentos manuscritos, tiravamos cópias, faziam-se reuniões, tiravam-se comunicados, compravam-se livros, entre eles muitos dos que estavam "fora do mercado", discutia-se política, futebol, namorava-se, fazia-se desporto, havia uma piscina, não para mim. Era um local onde nos sentiamos livres, num país que era o contrário disso tudo. Um dia, entro na papelaria da Associação, que se encontrava no pavilhão central, e estavam os balcões forrados com as capas de dois discos LP, em cores preta e branca, e que jamais encontrara, sendo que os nomes também me eram desconhecidos. Os titulos eram "Mudam-se os tempos mudam-se as vontades", belo titulo de um poma de Camões, e  "Sobreviventes", de dois autores caidos de céu, José Mário Branco, o primeiro, e Sérgio Godinho. Eram os seus primeiros LP, e estavam ali à venda porquê não se vendiam nas lojas normais de discos, nas discotecas, na altura a palavra significava "casa onde se vendiam discos" e não " casa escura onde se passa ruido insuportável". Custavam 180 escudos cada, muito dinheiro, mas dado que agora trabalhava, acabei por comprar os dois, julgo que um deles muito mais tarde. Ouvi e era diferente de tudo o que escutara. Já não eram "baladeiros" em que a "mensagem" valia tudo, e musicalmente era pobre. Ali não. A mensagem era forte, mas embrulhada num arranjo musical rico e moderno, com influencia pop, sobretudo o tal Sérgio Godinho, que também era autor de algumas das músicas de José Mário Branco. Eram duas obras notáveis, e ainda hoje o são. Arrepiava quando  começava a ouvir o disco do José Mario e o som era de um comboio a chegar à Gare de Austerlitz, ou a música simples do  Sérgio cuja letra se resumia a uma frase repetida N vezes e era   " Aprende a nadar companheiro, que a liberdade está a passar por aqui" acompanhada de excelentes solos de guitarra elétrica e baixo. Cinco estrelas, depois de se ouvirem estes discos sentia-se uma força de derrubar montanhas. Tudo isto se encontrava na minha velha AEIST...

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