quarta-feira, 5 de março de 2014

O meu 25 de Abril (9)

Esta minha narrativa não é cronológica. No entanto o tempo continua a ser a maior referência para que nem eu nem os hipotéticos leitores, se os há, se percam. Estamos a iniciar 1969, um jovem de 16 anos (eu mesmo...) voltou ao Liceu, agora com uma outra consciência de si e um vocabulário enriquecido. Agora pensava ( mas não dizia...) guerra colonial, e não guerra do ultramar, guerrilheiro em vez de terrorista, ditadura e não estado novo, opositores e não traidores, entre outros. O marcelismo estava a dar os primeiros passos, e depois de anos de escuridão, servidão e obscurantismo, os portugueses viam com esperança qualquer pequeno sinal, os politizados esses já sabiam o que a casa gastava, mas eram uma "imensa minoria", Marcelo tinha uma imagem simpática a muitos, tomou medidas cosméticas, como chamar DGS à conhecida PIDE, Exame Prévio à censura, e ia prepara-se para acabar com as "provincias ultramarinas" e criar " estados portugueses do ultramar", dando alguma autonomia simbólica, iria substituir a caquética União Nacional, pela Acção Nacional Popular. Claro que só os pacóvios acreditavam nalguma abertura real, até porque como se dizia os "ultras" nunca o permitiriam, dizia algum povo de forma piedosa, e salvaguardando o principio que Marcelo defendia, a chamada "evolução na continuidade", da qual até eu com os meus 16 anitos só via continuidade e nenhuma evolução. Mas não quero deixar de evocar aqui uma iniciativa de Marcelo que teve un grande efeito sobre muitas pessoas. Falo aqui das famigeradas "Conversas em Famíla". Tiveram a sua primeira "sessão" em 8 de Janeiro de 1969.  Realizaram-se 16 conversas sendo a última a 28 de Março de 1974, cerca de um mês antes do 25 de Abril. Cerca de 3 por ano. Eu assisti a todas, incluindo a primeira, em que pai, mãe e filho se juntaram em frente da TV a preto e branco para escutar. Marcelo tinha a certeza de que o divórcio com o povo era total, que a politica do governo era mal vista, aliás quando de alguém se dizia "ser político" queria dizer ser oposiçionista, democrata, contra o governo, e era uma perigosa acusação!!!  Os governantes não eram tidos como políticos, porque governar era assim uma espécie de emanação do divino, o "pesado fardo da governação" como diziam, para o qual o povo não tinha sequer de ser consultado pois não percebia nada do assunto. Nas "conversas em família" Marcelo Caetano aparecia sozinho, sentado num cadeirão e falava para as pessoas como um ser humano, coisa que muita gente não imaginava, que os governantes fossem pessoas de carne e osso, falava olhos nos olhos, para dar credibilidade ao discurso, para falar com sinceridade dos problemas da governação, sempre de uma forma que seria incontestável, não pela veracidade e consistência da discurso mas pela identificação do receptor com a imagem passada pelo emissor que nunca poderia ser entendida por faltar à verdade. A essa identificação ficou a dever-se parte do sucesso, e ainda hoje muitos portugueses referem esses dias de esperança, que afinal não se justificavam, pois do que se tratava era de fazer o mesmo que Salazar, mas com outra roupagem. As "Conversa em Família" marcaram muitos pontos no ranking da hipocrisia e da mistificação, mas acho que deram algum gás a uma governação já muito desgastada. Ficam aqui algumas imagens "comentadas" de uma dessas conversas. Os temas iam da politica do Ultramar, à economia, educação, em linguagem pedagógica, em que uma mente superior "ensinava" um povo ignorante e até se permitia ameaçar os católicos, coisa que caía bem em algumas pessoas... só ouvindo !

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