terça-feira, 4 de março de 2014

O meu 25 de Abril (8)

Em 1968 fiz 16 anos. Nada compara um jovem de 16 anos nesse ano já ido, com um jovem de 16 anos dos nossos dias. Naquela altura as preocupações eram outras, e quando falo de um jovem de 16 anos hoje estes jovens têm uma maior igualdade entre si, o estilo de vida é mais normalizado, no bom e no mau. Naqueles anos não era assim. Muitos aos 16 anos trabalhavam, poucos estavam na escola, o nível de escolaridade era baixissimo, o nível cultural e de conhecimento do mundo diminuto, mas no domínio dos valores  estaríamos melhor, "o respeitinho era muito bonito", defendia-se "pobrete mas alegrete", a autoridade de pais, familiares, professores era indiscutivel, e no horizonte o espectro da guerra despontava, pois em breve estaria lá. O ano no IIL terminara e ía voltar ao Liceu de Oeiras. Durante o verão o tempo decorria lentamente, nesse verão descobri um livro e um escritor que haveria de me marcar durante alguns anos, estou a falar de Jorge Amado. Não passo sem contar como cheguei lá, pois isso é o mais interesante. Nesse ano fui pela primeira vez à Feira do Livro. Pouco se podia comprar pois o meu pai ganhava pouco e a mãe estava em casa. Trouxe de lá um catálogo de uma editora já desaparecida a Europa América, e nesse catálogo anunciava-se que se podia fazer uma compra de dez livros, escolhidos do catálogo, e pagar em mensalidades. E, após falar com os pais, a contragosto lá aceitaram a ideia, isso de crédito não se sabia o que era, e a prestações comprava-se um frigorifico, mas livros ??? Assim foi, escolhi dez livros, o meu pai assinou um papel que lá estava, enviei e fiquei a pagar 18 escudos todos os meses nos correios. A escolha tinha de ser criteriosa, e no meio veio Jorge Amado, Jean Paul Sartre, Alves Redol, entre outros. Jorge Amado vinha representado por um clássico que li num instante nesse verão e me impressionou muito, "Gabriela, Cravo e Canela". Até aí pouco mais teria lido que Júlio Dinis, Camilo ou Eça, que se lia no Liceu, mas isto era outra coisa, tinha um gosto diferente, era uma linguagem nova, e aí começou a minha ligação com Jorge Amado, que me levou mais tarde a ler mais, até culminar na leitura dos "Subterraneos da Liberdade" (em 3 volumes), mas só depois do meu 25 de Abril, pois naquela altura estava "fora do mercado", assim apareciam nos catálogos os livros que estavam proibidos, e estes 3 livros estava proibidissimos. E assim durante este verão começou uma relação com o livro que se mantém até hoje. Assim quando muito mais tarde a primeira telenovela brasileira em Portugal foi "Gabriela" eu seria dos muito poucos portugueses que sabiam o que era, e já a tinha lido há muito tempo. Esta e muitas outras leituras fizeram o meu 25 de Abril, aquele que se passou na minha cabeça. A imagem que coloco é a do livro que li, 1ª edição em Portugal de 1966, uma bela capa, das poucas capas desta obra onde não aparece a Sónia Braga ...

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