segunda-feira, 3 de março de 2014

O meu 25 de Abril (7)

Pois para que a música pudesse ser divulgada a rádio era fundamental. Aí as portas estavam quase sempre fechadas, pois os programas de rádio, resumiam-se áquilo que a censura permitia, e não havia grande abertura. Mas a partir de 1968, com o advento do chamado "marcelismo" começaram a aparecer algumas "brechas na parede", o que permitiu que alguns autores, caso de José Afonso, acabassem por se tornar mais conhecidos e acessíveis, graças ao esforço de alguns radialistas mais ousados. Sem injustiça para os restantes quero aqui salientar um programa de rádio que a partir de 1968, e até 1972 se tornou para mim referência, pois ouvia todos os dias sobretudo nos anos de 1969 e seguintes. Falo de "Página 1", que passava na onda média da Renancença, ás 19h30, na altura o RCP já tinha o FM estereo, mas eu não tinha rádio com FM, só mais tarde, eram luxos a que não nos podiamos entregar. Mas voltando ao "Página 1", primeiro com Jorge Schnitzer, depois mais tempo com José Manuel Nunes, Luis Paixão Martins, era um misto de programa musical e informativo, onde colaborou Adelino Gomes e até José Duarte. A parte musical era sempre no limite, lá passou José Afonso, Fausto, no inicio, Adriano, Luis Cília, Manuel Freire e a sua "Pedra Filosofal", José Jorge Letria, José Mário Branco, Sérgio Godinho, todos no inicio, os açoreanos Duarte&Ciríaco, Paco Ibanez, os tão falados Aquaviva, grupo espanhol muito bom, passaram Manolo Diaz, que acabei a ver ao vivo no Villaret, ou Patxi Andion e Juan Manuel Serrat, para não falar de Brel, e sobretudo Leo Ferré. Era uma produção de luxo para a altura, e ainda hoje seria um belo programa de rádio. Faria inveja. Não admira que certos autores se sentissem incentivados a produzir, ao saberem que havia quem arriscasse usar as brechas na parede para dar voz a esses autores. "Página 1" tinha o genérico dos "Pop Five Music Incorporated", banda do Porto, onde inicialmente estavam David Ferreira e Tó Zé Brito, sendo mais tarde integrado por Miguel Graça Moura. O grupo compôs esse genérico para o programa, mas mais tarde foi publicado e editado em vários paises com o título "Page One" com algum sucesso. A parte informativa incluía reportagens sobre temas aceitáveis, sempre numa perspectiva progressiva. Mas como tudo o que é bom sempre acaba, "Página 1" terminou em 1972, ainda antes do 25 de Abril, tendo sido proibido pela direção da RR, sempre na lógica de auto-censura, depois de editar uma peça acerca do massacre dos Jogos Olímpicos de Munique, em que foram mortos vários atletas israelitas, e em que o programa, associava esse massacre a uma luta dos palestinianos em que eles também tinham sido massacrados, expoliados e retirados das suas terras quando se formou o estado de Israel, o que era a pura da verdade, malgrado o lado dramático das mortes ocorridas. Foi a gota de água. Sei que ainda regressou mais tarde mas não sei nem como nem quando. Podem ouvir o genérico na imagem que deixo, é uma pérolazinha do final dos 60, e é "português aqui". "Página 1" faz parte definitivamente do meu 25 de Abril, quanto a José Manuel Nunes seu grande animador, para mim evaporou-se.

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