domingo, 2 de março de 2014

O meu 25 de Abril (6)

  O ano de 1968 ficaria ainda marcado para mim, embora só um pouco mais tarde, através da rádio o viesse a descobrir, pelo lançamento do LP, na altura assim se chamava, long playing, ou um 33 rotações, de um autor, que durante esse ano de Instituto me seria apresentado, e de que nunca ouvira falar antes, um tal Dr. José Afonso, do qual o meu amigo me emprestou um EP (extended playing ou 45 rotações), que continha O Coro dos caídos, Ó vila de Olhão, e esse LP chamou-se "Cantares do Andarilho". Na altura a rádio era dominada pela música a que se chamava nacional-cançonetismo, Calvário, Artur Garcia, Madalena, o Fado, Fernando Farinha, entre  outros, a música italiana, Gianni Morandi, ou já um pouco de música de expressão anglo saxónica. O tipo de música portuguesa fora destes estereótipos não existia, ou se existia não era transmitida. Não se corriam riscos, pois um locutor de rádio não tinha liberdade para pôr um disco fora da "caixa", e a censura não dormia, e estendia a sua longa mão a todos os cantos, e sobretudo contava com a auto-censura. Daí a canção dita de intervenção, o que na altura se viria a chamar "os baladeiros", não tinham expressão publica nem sabiamos que existia !  "Cantares do Andarilho", um disco de pendor tradicional ou popular, mas com um conteudo politico quase explicito, veio dar essa expressão. O tom utilizado por José Afonso nos seus primeiros LPs de maior expressão, acabou por ser uma rampa de lançamento para toda uma geração, ao que sabemos agora, Tinham-me oferecido um gira discos usado no ano anterior, mas não havia dinheiro para discos, muito menos LP que custavam 180 escudos, e se  houvesse seria para alguma coisa anglo saxónica, Beatles, Stones, Bee Gees ou outros. O disco de Jose Afonso, que já gravava desde 1953, ou seja há 15 anos, seria um sucesso, e conseguiu romper aos poucos o muro de silêncio das rádios, com o pretexto de ser "musica folclórica" ou "tradicional",pois assim se encarava o Natal dos Simples, a Senhora do Almortão, o Resineiro Engraçado, que começaram a passar em algumas rádios, sobretudo no RCP ou na Renascença. O problema é que a forma como cantava, como pronunciva as suas letras, como as tornava numa performance, transformava em canção revolucionária até o vira do Minho, o que devia deixar os censores baralhados, estúpidos que eram !!! Mas lá pelo meio estavam Vejam Bem ou Chamaram-me cigano, mais explicitas e destinadas a causar problemas a quem as passasse. Mas passaram.

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